UMA QUESTÃO CULTURAL
A coisa mais natural do mundo é entrarmos em situações complicadas e no ápice do caos das complicações criadas por nós mesmos, geralmente...

https://www.panelaspernambuco.com/2017/04/uma-questao-cultural.html
A
coisa mais natural do mundo é entrarmos em situações complicadas e no ápice do
caos das complicações criadas por nós mesmos, geralmente não conseguimos entender
o porquê de estarmos ali. É psicologicamente explicável que tentemos colocar a
culpa em outra pessoa ou coisa. Estamos sempre tentando encontrar a culpa no “tempo
que não ajuda”, “nas pessoas que não colaboram”, “no diabo que não nos deixa em
paz”, “nos amigos e amores que não nos entendem”, “nos políticos que nos
enganam” etc. Sempre achamos mais fácil encontrar a culpa no outro, mas essa
não é uma exclusividade panelense, é uma problemática nacional. Apesar disso
temos algumas especificidades e isso nos diferencia dos demais e, paradoxalmente,
nos coloca na lista da mesmice.
Parece
incompreensível e até bobagem dependendo da ótica de quem observa, entretanto,
é tão possível quanto provável que o grande e maior ataque ao povo panelense
foi o descaso cultural. O abandono da cultura deixou a população sem uma
identidade. Essa falta de autorreferência impossibilita o cidadão do município
de descrever a si mesmo como senhor e autor de sua própria história. Não estou
me referindo a cultura no sentido universal. Não estou falando dos clássicos da
literatura, filosofia ou política. Isso é leitura obrigatória para qualquer
cidadão do planeta que queira chegar perto do conhecimento mínimo. Estou
falando da cultura própria do povo. Estou me referindo a leitura de si
mesmo. Leitura da cidade. Trato
exclusivamente da cultura propriamente panelense que não se perdeu
completamente graças a poucos artistas e personalidades que fazem o que fazem
independentemente do reconhecimento de outros.
Muito
bem, chegamos ao título deste texto: “uma questão cultural”. Cultura em qualquer
dicionário significa algo em torno de: conjunto, complexo que inclui
conhecimento, seja arte, crença, leis, costumes éticos ou morais e demais
hábitos passados de ser humano para ser humano através das gerações. Cultura
tinha, entre os romanos, o significado de agricultura, pois significava o
cultivo da terra para a produção. Não precisamos mais do que isso para
continuarmos na linha proposta aqui. As palavras ‘cultivo’ e ‘produção’ vão
nortear, portanto, este introito a problemática cultural do município.
O Sergianismo
destruiu a cultura do município de um jeito assombrosamente eficaz. Não há
equivalentes aos grandes gênios que passaram por Panelas. Alguns grandes homens
da arte, música etc., ainda estão vivos como Walter Silva, Brito Lucena, José
Alexandre Saraiva, Mata-Viva entre outros poucos. Mas nunca tivemos uma
produção cultural tão pequena pelas novas levas de panelenses. Nossa geração
não produziu livros, poemas, músicas e quando fazem é de forma esporádica em
trabalhos escolares ou algo assim. Nossa cultura é sufocada pela raiz. Não há,
nunca houve e não se tem expectativa de ter nenhum tipo de incentivo à cultura
municipal que tenha partido do poder público; basta olhar o atual plano de
governo ou os anteriores para se ter certeza disso.
A
jogada aqui é justamente deixar todo um povo sem identidade. Fazendo isso o povo
não se reconhece e, portanto, não reconhece o próximo. Não se reconhecendo, não
tem como se melhorar, se indignar, se defender e perdendo todo sentimento de
autodefesa torna-se inconscientemente indiferente e expostos a todo tipo de
calhorda que chegar ao poder.
A
identidade cultural é importante para cada indivíduo saber quem é. Sabendo quem
é sabe-se também os direitos e deveres que tem e as formas de comportamentos
aceitáveis naquele meio. O que ocorre é que a cultura saiu dos princípios basilares
do caráter e passou a pertencer quase que exclusivamente a manutenção da
submissão, da necessidade, da subserviência e da resignação do povo que tem
cada vez mais aversão a políticos e política. Cultura então nem se fala. É
importada do Rio de Janeiro (funk carioca), Bahia (axé) e outros ricos sons do
Pará, mas nunca produzida e direcionada para os vários nichos regionais do Nordeste.
A questão não é a importação da cultura, penso ser necessária para o
enriquecimento no geral. O grande problema é a exclusividade da importação.
Panelas é uma terra que só importa cultura. Quase nunca exporta. Quando exporta
é algo mais direcionado e quase sempre as custas do indivíduo que produz.
Os
próprios artistas da terra (a maioria amigos meus) não percebem isto,
justamente porque já fazem parte do comodismo da alienação cultural sergianista
que propõe uma ‘apresentação’ discreta e periférica, enquanto pagam caro para
artistas de fora com direito a palco principal. Isso faz com que artistas
percam sua identidade própria e passem a imitar os que são valorizados na
inútil tentativa de serem valorizados não pelo que são, mas pela aparência que
possam ter e semelhança que se esforçam para ter com o outro. É triste. Os
artistas locais, especialmente os da minha geração, estão sujeitos a supressão
financeira e dominação daqueles que decidem quando e onde vão se apresentar na
sua própria casa. Em outras palavras, ainda que a maioria não assuma, comparados
com os ouros que chegam de fora, as pratas da casa são tratadas como lixo.
Muito
bem, mas o que fazer para mudar essa realidade não admitida? É muito mais
simples do que parece. Produzir de forma independente a cultura. Fazer sua arte
independentemente de apadrinhamento político. Usar praças, calçadas, ruas,
casas, espaços públicos como palco com ou sem autorização. É livre toda
manifestação artística. Escritores, escrevam! Músicos, toquem! Cantores,
cantem! Em menos de sete anos gravei três discos, escrevi dois livros, terminei
uma faculdade, escrevi centenas de artigos e liderei alguns grupos culturais.
Não sou melhor que ninguém. Meu dia também tem vinte quatro horas. Não sou eu,
mas a atitude que está convidando você, leitor/artista, a mudar a sua
realidade. Disse e repito: “quer gravar um disco? Grave! Quer escrever um
livro? Escreva! Quer fazer um filme? Faça! Não espere que ninguém decida por
você se você tem ou não mérito. Não e pelo mundo, nem pela cultura, é por você.
Seja
você mesmo o capitão do seu destino! Não espere pela boa vontade dos que acreditam
ou pela má vontade dos que duvidam de você. Seja o que quer ser. Não é uma luta
política. É uma luta moral, espiritual e vital para todo aquele que decide ser
o senhor de sua própria existência. A vitória é reservada apenas para aqueles
que lutam e se recusam a fugir do medo.
Coluna Política // Por Pierre Logan
Formando em Direito, Licenciando em filosofia, possui formação em Direito Eleitoral, Administrativo, Fundamentos do Direito Público, Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Compositor, gravou no final de 2015 o disco Crônicas de Um Mundo Moderno. Atualmente atua na área jurídica e também é colunista do Jornal SP em notícias. OAB-SP 218968E.