PANELAS E A BANALIZAÇÃO DO MAL
É mais simples do que parece, já que vivemos isso diariamente na rua, nas feiras, em casa, no trânsito, nas escolas e permitimos que o mal ...

https://www.panelaspernambuco.com/2017/04/panelas-e-banalizacao-do-mal.html
É mais
simples do que parece, já que vivemos isso diariamente na rua, nas feiras, em
casa, no trânsito, nas escolas e permitimos que o mal causado por outros em nós
ou o mal em nós atirado nos outros torne-se trivial, corriqueiro, banal. Esse
não é um problema exclusivo de Panelas, mas uma marca que, infelizmente, vem se
tornando uma de suas características próprias. Como falei em outros textos, a
oposição panelense tem extrema incompetência para fazer a coisa certa e o grupo
que desgoverna a cidade tem competência demais para fazer o que é errado. É
essa e não outra a principal diferença entre os dois grupos.
Tudo
começa com uma filósofa de origem Judaica nascida em 1906 na Alemanha, chamada
Hannah Arendt. Por ser judia passou apuros durante os horrores nazistas e como
muitos também passou pelos campos de concentração. Terrível. Conseguiu fugir,
ficou em Nova York, se tornou jornalista e professora da New School of Social
Research.
Veio o
fim do nazismo e foram criados tribunais a fim de julgar os crimes cometidos
pelos nazistas. Em 1960 um chefe do nazismo foi capturado aqui na nossa
vizinhança, em Buenos Ayres (estava foragido). Era ninguém menos que Adolf
Eichmann, um dos “colegas mais próximos” de Hitler. Hannah foi chamada como
jornalista para cobrir o julgamento. Desse acontecimento a filósofa escreveu um
livro chamado Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal
(1963).
Ela
ficou impressionada como o algoz que deportou judeus durante boa parte de sua
vida achava normal e alegava apenas está cumprindo ordens. Encaminhava judeus
para morte, mas acreditava ser inocente. Era apenas um servo obediente do
Estado nazista. Analisado por psicólogo o diagnóstico foi ainda mais
impressionante: “Alguém normal, bom pai de família, filho exemplar, irmão
dedicadíssimo. Hannah chegou à conclusão de que aquele sujeito era apenas um
indivíduo comum que era incapaz de compreender o ponto de vista do outro. Ela
iniciou estudos profundos e sérios e entendeu que aquele era um ser humano
qualquer que perdeu a capacidade de distinguir o bem e o mal. Arendt observou
dois aspectos da sociedade de massa: superioridade e a superfluidade. Quanto
mais superficial alguém for, é mais provável que ele ceda ao mal. O mal é
banal, não é comum, mas vivenciado como se fosse, é extremo mais não tem
profundidade nenhuma. Sendo raso, se espalha com facilidade nas pessoas que não
refletem, não pensam e não percebem o significado dos próprios atos. O mal
torna os seres humanos supérfluos.
Muito
bem, chega de história da filosofia (quem quiser ver mais compre o livro – vale
a pena). Chegamos finalmente ao ponto em que falamos de Panelas, se é que
saímos algum momento dele. Se você não percebeu ainda não temos campos de
concentração para judeus e nem um governo nazista. Temos um governo sergianista
que concentra as pessoas em pontos específicos para pegar sua dose diária de
água (te lembra algo?). Sim, um mal banalizado, pois muitos já defendem seus
algozes dizendo que “é assim mesmo” e que não tem jeito. Assim como ninguém
perde o sono porque a prefeitura, pelo jeito, vai passar mais vinte anos sem
realizar concurso público. Outro mal que se torna comum. Muitos ainda esperam a
campanha eleitoral para se divertir e ofender o cidadão mais próximo que pense
diferente (banalmente quadrienal isso). Quem vai dizer que procurou um médico
no hospital e não achou e quando não teve atendimento não bateu, junto com um
sentimento de indignação, um sentimento de que “é assim mesmo”?
Saber
que um ex-prefeito não eleito, manda numa prefeita eleita é normal. Saber que
um cara que não é absolutamente nada da prefeitura (nas palavras dele mesmo)
pode arrumar um “parecer jurídico” (mamãe me acode!!!) para parar uma obra que
limparia a barragem é mais que normal. Ouvir asneira desse mesmo indivíduo
durante mais de uma hora e achar normal é comum. Comumente tratado como burro o
povo se acostumou de tão trivial que é o tratamento. Será que é normal carregar
água no lombo e receber a conta pelos correios? Será que é tão normal ter medo
de alguém que na condição de ser humano não tem nenhum poder além do que você
acredita (erradamente) que ele tenha? Será que é tão comum assim ser comum?
Somos tão banais assim de propósito?
Imaginar
que isso vem se repetindo e que se repetirá ano que vem e será recorrente
durante muito tempo se algo não for feito é triste. A solução não é difícil,
mas precisa de algo raro: CORAGEM! Os governos mantêm sua pusilanimidade porque
acredita que nada mais sério vai acontecer. Que não haverá consequências. Que
não haverá reprovação. Que tudo ficará normal quando chover. Que o sentimento
de indignação do povo será lavado e levado pela chuva. Porque foi assim que as
coisas sempre foram por aqui. Banalizamos a negação dos nossos direitos.
Banalizamos o mal e permitimos que ele fosse usado com doses homeopáticas em
nós. A solução é pensar, falar e agir. A solução e deixar patente, claro,
notável e sem sombra de dúvida que não se admite mais. A solução é fazer do mal
algo raro, já que o que é mais raro hoje em dia é amar o próximo. Fazer o bem é
raro. Ajudar é raro. Solidarizar-se com os menos favorecidos é raro. O mal sim
é que é muito banal e está em todo lugar, pois, segundo Hannah, se espalha com
facilidade.
Coluna Política // Por Pierre Logan
Formando em Direito, Licenciando em filosofia, possui formação em Direito Eleitoral, Administrativo, Fundamentos do Direito Público, Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Compositor, gravou no final de 2015 o disco Crônicas de Um Mundo Moderno. Atualmente atua na área jurídica e também é colunista do Jornal SP em notícias. OAB-SP 218968E.